sábado, 3 de outubro de 2009

FICÇÃO CIENTÍFICA, AUTO-AJUDA & CIA


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NOLASCO, Edgar Cézar; LONDERO, Rodolfo Rorato (org.). Literaturas invisíveis: ficção científica, auto-ajuda & cia. Campo Grande: Editora UFMS, 2009.
Após uma bem-sucedida “volta ao mundo da ficção científica” – título que emprestamos da pioneira coletânea brasileira de artigos acadêmicos sobre ficção científica, organizada por nós e também lançada pela Editora UFMS (2007) –, descobrimos outros mundos não-cartografados, invisíveis para os mapas da literatura. Aliás, um companheiro de viagem, Fábio Fernandes, constatou a existência de “invisíveis culturais” que, agora sabemos, não se restringem ao universo da ficção científica brasileira. Pois é justamente sobre esses “invisíveis culturais” que discutiremos ao longo deste livro.
Nossa proposta é investigar algumas literaturas que nem mesmo se configuram como marginalizadas, pois são praticamente invisíveis aos olhos dos estudos literários e/ou do mercado. Curiosamente, essas literaturas são reconhecidas por públicos específicos, mas nem por isso são estudadas devidamente, criando uma legião de leitores invisíveis. É o caso das obras de Paulo Coelho, best sellers rotulados como auto-ajuda e ignorados pelos estudos literários. Outro exemplo mais crônico é a ficção científica brasileira: duplamente invisível devido à cegueira dos estudos literários e do mercado, sobrevivendo através de movimentos subterrâneos (publicações artesanais, comunidades virtuais, etc.). Esses dois casos, como outros semelhantes (literatura de terror, de fantasia, fan fiction, etc.), contestam às definições canônicas de literatura, propondo uma visão ou virada dos fenômenos culturais. Mas sendo a invisibilidade dessas literaturas não apenas uma qualidade negativa, ressaltaremos também a positividade dessa condição, pois, enquanto não-observadas pela corrente principal dos estudos literários e/ou do mercado, essas literaturas apresentam-se, por excelência, como lugares de experimentações culturais e políticas.
Em Declínio da Literatura/Ascensão da cultura: o intelectual pop-star cult Paulo Coelho, Edgar Cézar Nolasco discute a inter-relação existente entre a literatura de Paulo Coelho, o mercado e o consumo, bem como o papel de intelectual pop-star cult que ele representa. Para revisar as obras críticas sobre a literatura abordada, Nolasco destaca a relatividade que envolve as noções de “altas e baixas literaturas” e, a partir daí, frisa a distração dos críticos ao não perceberem a oscilação de uma obra dentro do campo cultural.
Sayonara Amaral, em Na transversal das cotações: notas sobre a recepção de Paulo Coelho, ilumina a “legião de leitores invisíveis” que nos referimos anteriormente. A partir de depoimentos de leitores de Paulo Coelho, postados na página eletrônica do escritor na Internet, a autora aborda a recepção como uma prática de produções de sentidos e de julgamentos de valor que, na contemporaneidade, extrapolam e contrariam o conceito de literatura ainda hegemônico em algumas esferas da crítica literária.
Também sobre Paulo Coelho é o artigo de Vânia Correia Cafeo, À margem da academia, no centro do sucesso: uma receita à moda Paulo Coelho. Ao invés de debater especificamente a crítica e a recepção do autor em questão, como fizeram os artigos anteriores, Cafeo concentra-se na carreia literária de Paulo Coelho, desde as estratégias de divulgação até as autopromoções, e como ela influi na constituição do lugar do autor.
Uma das autopromoções realizada por Paulo Coelho é justamente a imagem de “bruxo” ou de “mago”, calcada nas origens da contracultura. Este tema é abordado por Eusvaldo Rocha Neto em Leitura e contracultura em Paulo Coelho. O autor também destaca a recepção positiva dessa “espiritualidade” que identifica as obras de Paulo Coelho, pois nelas os leitores percebem “[...] a construção de formas alternativas de espiritualidade alicerçadas em religiosidades que foram marginalizadas e reprimidas com violência pelo Ocidente branco e cristão (o paganismo europeu, a magia e o mistério dos ciganos, etc.)”.
Na contramão da proposta de Rocha Neto, mas igualmente valiosa, é a contribuição de Pablo Lemos Berned, em Conjecturas sobre o fenômeno Paulo Coelho: os limites do “objeto” dos estudos literários. Após passar em revista vários conceitos estabelecidos (literatura, valor, etc.) que constantemente impedem a abordagem da obra de Paulo Coelho, Berned nos pergunta se não “[...] existiria alguma consonância entre os valores veiculados na obra e as exigências atuais do mercado? [...] Portanto, o valor do mágico, do religioso e do simbólico não estariam sendo modificados, ao serem ratificados nessa obra, como veiculadores do sistema capitalista?”.
De um invisível cultural para outro, chegamos à ficção científica. Em Nem universal, nem específico: o afetivo na ficção cyberpunk latino-americana, Rodolfo Rorato Londero propõe o “afetivo”, bem como sua condição híbrida, enquanto categoria mais adequada para refletirmos sobre a recepção latino-americana da ficção cyberpunk, subgênero da ficção científica surgido originalmente no contexto norte-americano surgido dos anos 1980.
Em A invisibilidade do deus: a ficção científica e o mito cosmogônico em Solaris, de Stanislaw Lem, Biagio D’Angelo ocupa-se em investigar a posição que reveste a literatura de ficção científica, gênero quase sempre considerado marginal, menor e pouco erudito. Para o autor, longe de ser um mero produtor de entretenimento burguês, o escritor de ficção científica se disfarça de filósofo, e Stanislaw Lem é o grande exemplo oferecido pelo artigo.
É no encontro entre ficção científica e gêneros próximos, como terror e fantasia, que Jean-Marc Lofficier desenvolve seu estudo sobre o motivo da morte. Em A margem incerta: a temática da morte no fantástico popular contemporâneo, o autor esquadrinha, nas mais variadas mídias (literatura, cinema, televisão, quadrinhos, etc.), três tipos de manifestações da morte: força (imortalidade, reencarnação e ressurreição), lugar (territórios e seus exploradores) e entidade (representações tradicionais e modernas). Uma profusão de exemplos domina o artigo, criando uma verdadeira antologia paralela do tema abordado.
Compreendendo a ficção científica como um meio de materializar e popularizar idéias ainda não esclarecidas pela sociedade, Luis Pestarini mostra como o gênero avalia, por exemplo, a seqüência de transformações e inovações acerca das noções de espaço e distância. Para tanto, em Da lua ao ciberespaço: a ficção científica como reflexo da mudança cultural, o autor realmente atende o percurso anunciado no título, indo de Júlio Verne a William Gibson, sem esquecer autores paralelos (Robert H. Wilson, Daniel F. Galouye, etc.) e conceitos análogos (hiperespaço, realidade virtual, etc.).
Ao aproximar uma tendência recente na historiografia, a História Contrafactual, e um subgênero da ficção científica, a História Alternativa, Ana Cristina Campos Rodrigues procura compreender as possíveis relações entre discurso científico e ficcional. Em Histórias do possível: ensaio sobre a possível relação entre a Ucronia e a Historiografia, a autora não pretende esgotar o assunto, mas fazer uma breve introdução ao gênero, indicando várias obras que o circundam.
Para abordar aquele gênero duplamente invisível que indicamos no início desta apresentação, Alice Signorini Feldens provoca uma reflexão sobre a situação da ficção científica produzida no Brasil. Além de traçar uma retrospectiva do gênero no país, Ficção científica brasileira: um gênero duplamente invisível propõe algumas considerações para a atualidade e o futuro da ficção científica.
Arnaldo Pinheiro Mont’Alvão Júnior envereda pelo árduo caminho de definir a ficção científica, mas não sem a ajuda de três críticos contemporâneos brasileiros: Roberto de Sousa Causo, Braulio Tavares e Fábio Fernandes. Na verdade, em Mas afinal, o que é ficção científica?: algumas (in)definições da crítica brasileira, Mont’Alvão Júnior levanta um minucioso inventário das tentativas de definir o gênero no país para chegar às três atuais: ficção científica como mito (Causo), como gênero pós-modernista (Tavares) e como forma de “sentimento de maravilhoso” (Fernandes).
Próximo da ficção científica, mas igulamente invisível, é a fantasia. Caio Alexandre Bezarias não esquece dela em O gume ignorado das espadas mágicas: uma reflexão sobre significados políticos radicais na literatura de fantasia moderna. O artigo versa sobre possíveis significados políticos radicais expressos em algumas das principais obras de fantasia heróica ou épica publicadas no século XX. Baseado nos princípios da teoria crítica, o autor demonstra que esses textos contêm mais nuances que as críticas convencionais lhes imputam, exigindo serem abordados de maneira mais desprendida e dialética.
Talvez os maiores invisíveis sejam aqueles que consomem as literaturas invisíveis: os fãs de ficção científica, de Paulo Coelho, de fantasia, de seriados de televisão, etc. Mas nem mesmo esses invisíveis se deixam calar: em Os sentidos da TV: sobre a prática textual fannish e a fan fiction, Isabella Santos Mundim analisa a prática textual fannish, o processo em que os fãs se engajam quando assistem ao seriado de TV e lêem/escrevem/desdobram a narrativa veiculada. Teorias sobre a produção de textos e a disseminação de sentidos serão abordadas pela autora para compreender esse fenômeno.Agradecer aos autores, e também aos tradutores – André Soares Vieira (A margem incerta) e Flávio Adriano Nantes Nunes (Da lua ao ciberespaço) –, que contribuíram para a realização deste livro é o mínimo que podemos fazer. Mas se há algum máximo, certamente todos eles concordam que seja a consolidação de estudos voltados para as literaturas invisíveis nas universidades brasileiras. Começamos, então, pelas próximas páginas...

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